Artigo: Roteiro, câmeras e truques de edição e até que ponto isso importa

Artigo: Roteiro, câmeras e truques de edição e até que ponto isso importa

Luiza Vianna e Igor Amin

Iremos ver algumas possibilidades expressivas e recursos como sugestões para o começo de uma jornada de produção audiovisual com fins educativos. Aprender técnicas, treinar a reflexão sobre o fazer imagético, para depois criar com liberdade, improvisar, inovar, e também descolonizar nossos olhares sobre as infâncias através da linguagem audiovisual. Como assim descolonizar o olhar? Em termos gerais, permitir durante o processo de mediação técnicos do audiovisual que a criança tenha consciência de como pode criar através de uma câmera sua própria visão de mundo, sem uma intervenção brusca dos adultos. É com o apoio de educadores, da família ou pessoas que buscam educar as crianças no mundo das telas que iremos ensinar as crianças a verem o mundo com liberdade através dos dispositivos de produção de imagem em movimento. Segundo a perspectiva da Educação Audiovisual no livro Como educar as crianças no mundo das telas?

Para educar o outro, precisamos primeiro passar por um processo de autoeducação. Cabe a nós educarmos audiovisualmente as crianças, assim como a nós mesmos, para que possamos ouvi-las atentamente junto aos recursos tecnológicos audiovisuais a que temos acesso, contribuindo assim para que suas vozes se tornem mais amplas.”

(ATAIDES, p.33, 2021)

Para abordarmos o assunto, podemos comparar o processo de realização de um filme ao processo de preparação de uma boa comida. Você define o que quer cozinhar (seu tema), pesquisa e escreve a sua receita, incluindo todos os ingredientes e o modo de fazer (roteiro), organiza as panelas, colheres, facas e outros utensílios (câmeras e equipamentos), colhe alguns alimentos no quintal, reúne outros da despensa (gravação). Já no fogão (ilha de edição) vamos cozinhando (editando), equilibrando o fogo (tempo do conteúdo) com os alimentos prestes a se transformarem no prato (filme) ao colocar os temperos finais (efeitos, trilha sonora, transições, títulos). 

Qual o seu tema e o seu lugar de fala? Sobre qual assunto será tratado o seu filme? Qual história quer contar e como contar? Para quem irá servir este prato? As pessoas tem bom paladar para este prato, quer dizer, este filme que acabou de preparar? Qual a intenção pedagógica por trás do conteúdo, ainda que metafórico, o que quer causar em termos de experiência para aquela pessoa (lembrar dos temperos da casa da sua avó, conhecer pratos de diferentes culturas, comer uma comida leve ou fortificante?). A educação audiovisual possibilita a construção de identidades, ideias, conceitos e transformações sempre atreladas a uma intenção pedagógica por trás dos conteúdos.

 O roteiro irá apresentar a receita do seu filme e servir como um guia para orientar o trabalho da equipe. Existem diferentes tipos de roteiros para diferentes linguagens audiovisuais (cinema, documentário, vídeo experimental, vídeo-aula, etc.) Como um bom guia, quanto mais detalhado for o roteiro, melhor irá orientar a equipe de filmagem.

Um filme é dividido em cenas e sequências. O roteiro normalmente contém o número e a descrição da cena; ações e falas dos personagens; indicações de cenário, trilhas ou efeitos sonoros. Pode incluir também sugestões de enquadramento, movimento de câmera, equipamentos a serem usados, indicações de cortes, transições e edição.  

Definida a receita, quais equipamentos usar? Quanto mais opções a câmera permitir (como ajustes manuais e lentes intercambiáveis), mais possibilidades criativas estarão à sua disposição. Na medida em que for se aprofundando na linguagem das imagens, saberá escolher os equipamentos que melhor se adaptarão a cada projeto: câmeras, lentes (ou objetivas), cartões de memória, baterias, estabilizadores, tripés, microfones… Com a câmera na mão (ou no tripé) passamos a nos concentrar na composição da cena, enquadramento, foco, iluminação e no controle de exposição (relação ISO/ velocidade/ abertura). Hoje podemos usar os recursos audiovisuais de forma pedagógica, ou “brincar de fazer filmes”, com apenas um celular. As câmeras estão cada vez mais ao nosso alcance, apesar da desigualdade social e tecnológica. Neste sentido, a educação audiovisual nas escolas, oferece uma ferramenta de exploração do mundo essencial para as crianças, possibilitando um lugar de fala, expressão e acessibilidade. Para o público infantil, quanto mais simples o equipamento mais podemos nos concentrar no fazer criativo.

Com a receita, panelas e alimentos, vamos cozinhar e misturar os temperos. A edição é a parte fundamental, que irá colocar os ingredientes em ordem e estabelecer o ritmo do filme. Começamos assistindo todo o material filmado, organizando e selecionando as imagens. Com o roteiro e o material filmado na cabeça vamos editar imagem e som. A edição de imagens envolve cortes, transições, efeitos, texturas, ajustes de cor e contraste, além da aplicação de títulos. O áudio, tão importante quanto o vídeo, inclui a trilha sonora, diálogos, sons, efeitos, volume e equalização. A educação audiovisual possibilita o desenvolvimento de novas competências, técnicas e habilidades, trazendo uma contribuição fundamental para os processos de ensino e aprendizagem, na sala de aula e na vida.

A arte torna-se essencial como estratégia para reinvenção das práticas pedagógicas da escola, ao trazer em sua essência a possibilidade de cultivarmos a expressão artística como meio para nos relacionarmos com o mundo. […] Além de não ser fácil, do ponto de vista pedagógico, a inserção de novos processos criativos como a arte, existe um risco da prática de fazer filmes na escola em se tornar uma modalidade específica de ensino, com fórmulas, dispositivos rígidos ou intelectualizados, cabível de desenvolver neste campo uma cultura da reprodução, e não reinvenção, do que é experienciado em outros lugares.

(ATAIDES, p.33, 2021)

O vídeo é um potente caminho para a expressão e o protagonismo de jovens e crianças. A partir de um pequeno impulso técnico e ao trazer familiaridade com as câmeras e recursos, temos em mãos uma ferramenta de transformação e construção de identidades. Nesse sentido, é importante tomarmos conhecimento das possibilidades disponíveis e ficar atento ao fato de que existem centenas de tutorias disponíveis em sites como o YouTube que permitir aprender com outros tipos de pessoas que querem ajudar a outras neste caminho sociotécnico do mundo das telas. Mas isso não significa que precisamos ficar engessados nos padrões que vemos e aprendemos. Podemos usar as receitas para aprender, repetir, improvisar e ir além. Como fez o poeta Manoel de Barros em seu O livro das Ignorãças: Repetir repetir – até ficar diferente. Repetir é um dom do estilo. (BARROS, p.11, 2009)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ATAIDES, Igor Amin. Como educar as crianças no mundo das telas?. São Gonçalo do Rio das Pedras/Serro-MG: Aletria Editora, 2021.

BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. 11.ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.