Artigo: Agroecologia – da tela para a terra, da terra para as telas

Artigo: Agroecologia – da tela para a terra, da terra para as telas

Por Mayan Maharishi

A agroecologia engloba sistemas agrícolas sustentáveis que se constituem em movimento, ciência e prática. Visam acesso a alimento de qualidade, trabalho digno, economia justa e sistemas alimentares regenerativos. Se alinham com a justiça social e ambiental, através de práticas e técnicas avançadas de base sustentável. Se consideramos importante que as crianças tenham uma relação mais próxima da natureza, precisamos ampliar esse debate com elas. Por isso, precisamos entender sobre a vitalidade da terra e  este será um ótimo artigo para compreendermos como o cuidar da terra merece tanta atenção assim como temos com as telas. 

 É no caminho de mudança e saúde pelo bem de todos e todas, que seguimos com diálogos sobre agroecologia, em busca de ambientes equilibrados e respeitosos com todos os seres. Mas para que isso ocorra, a equidade e o antirracismo devem estar na base destes anseios, pois só assim será justo e verdadeiramente saudável. A agroecologia pautou esses temas e muitos outros que enfrentam as desigualdades, como de profunda importância, para que a agroecologia seja de fato exercida.

Através da agroecologia o que buscamos é a soberania alimentar, soberania popular e garantia da biodiversidade. Estamos em estado de morte, vivemos sobre um modelo capitalista extremamente prejudicial à vida, que emplacou sistemas alimentares degenerativos, envenenados.  Nossos alimentos estão contaminados, nossas águas estão poluídas, nossos solos contaminados ou tomados por grandes corporações como mineradoras, empresas com monocultivos prejudiciais, vivemos uma desigualdade latente no nosso país, entre outros fatores que não caminham em direção à vida. 

Não é difícil acreditar nos dias de hoje com tanta coisa que estamos vivendo e vendo acontecer no mundo. Na dimensão ambiental vemos ecossistemas inteiros reduzidos a gigantescas monoculturas e ou pastagens. No contexto sociocultural há perda de diversidade, expropriação de terras, de epistemologias, de povos e modos de vida.  Na nossa alimentação houve a redução massiva de variedades e a introdução de uma cultura alimentar tóxica, sem variedade nutricional adequada e sem vitalidade. No contexto trabalhista temos realidades em que máquinas tomam o lugar do trabalho humano, além de inúmeros casos de trabalhos injustos e violentos. Esse modo de produção, na realidade, não produz alimento e sim mercadorias que são resultados desse caos. E esse é só um fragmento de toda a cadeia de destruição que vem sendo provocada pelos atuais sistemas agroalimentares tóxicos. 

Para começarem a dar os primeiros passos rumo à agroecologia, algumas perguntas e investigações são fundamentais. As crianças certamente adoram se aventurar no caminho das curiosidades e entendimento da vida. Vamos começar por uma perguntinha título de um livro muito inspirador, que indicamos a leitura. Pois bem: De onde vem nossa comida? [1] Olhem para algum alimento que está perto de vocês ou lembrem de algo que comeram hoje e comecem a pensar. De onde vem? De quem vem? Onde conseguiu? Pra onde vai? 

Desvendando estes caminhos já é possível perceber muita coisa, não é mesmo?  Começando essa investigação podemos seguir com as questões sobre nossa comida, buscar saber se ela é saudável, se foi plantada por nós mesmos ou por alguém pertinho, se veio de uma indústria, se era cheia de embalagem ou estava perfeitamente guardada na embalagem mais inteligente do mundo todinho, chamada CASCA! Sabiam que as cascas são embalagens que podem virar terra?! Isso mesmo! O universo natural que fazemos parte é incrível, a casca vira terra e a terra vira alimento para novas plantas. 

Dizer que precisamos aprender que somos parte da natureza parece até mentira, mas é hoje uma necessidade, pois nos afastamos muito disso, boa parte da população não se entende como natureza, mas compreende que ela é algo separado, distante da vida humana, quando somos uma vida só. [2] Muitos de nós passam boa parte do tempo nas telas, eu também passo. Perdemos um pouco a capacidade de equilibrar nosso tempo nas telas com nosso tempo na terra. É por isso que uma questão importante para “O que queremos para o mundo?” são as telas amigáveis. É nosso propósito propor saúde nas telas.  

A tela é também nosso espaço e podemos fazer dela um ambiente de transgredir limitações, aprender e trocar ricas informações. Porém, uma questão é transgredir também espaços e utilizar as telas como parte dos processos e não como finalidade. Por exemplo, se ficarmos na tela dialogando somente, pouco poderemos fazer em relação à transição agroecológica. Só assistirmos ou criamos conteúdos midiáticos, e não colocarmos isso em prática, perdemos potência e sentido. Se ficarmos um ano acessando conteúdos sobre alimentos naturais e sem veneno, mas nunca pararmos para repensar o nosso próprio alimento e buscar alimentos saudáveis, isso resulta em tela por tela. [3]

Nossa missão é expandir o amor através do protagonismo pedagógico, utilizando a agroecologia como foco da experiência na vida de crianças. A agroecologia produz alimento com vitalidade e nada melhor do que se alimentar assim, se queremos uma sociedade com saúde. 

Inspiradas pela força de vida da natureza e pelos conhecimentos, expressos na agroecologia, temos aqui uma abordagem da agroecologia nas telas.  É ela fator de transformação e de encantamento! Isso mesmo, encantamento! Não tem criança, jovens, adultas, adultos ou idoso e idosas, que não se derretam com a beleza e a força da natureza. Podemos contribuir com este movimento! As crianças estão muito expostas às telas e esse é um ponto de muita conversa nossa por aqui. Que telas são essas?  É evidente que temos que usar as telas em favor do mundo real e não um paralelismo que aprisione no mundo digital ou midiático. Neste sentido a agroecologia é fonte de inspiração para que o nosso tempo de tela seja saudável e inspire mais ainda, práticas reais, saudáveis. Aqui não é tela por mais tela e sim o melhor da tela, para a terra! 

A tela também pode ser um meio para nos reaproximarmos da terra. Se todo filme tem uma história, se toda história tem uma motivação por trás, por que não fazermos filmes com as crianças sobre temas como a agroecologia? Muito se fala de aproximar as crianças de temas sobre a natureza pelas telas, mas pouco convidamos elas para filmarem suas próprias experiências na terra. Imagina como é bom se ver plantando? Como é perceber que o contato com a natureza pode incentivar outras crianças a fazer o mesmo. Ao escolher algo para ver ou fazer filmes, a Agroecologia é um tema infinito para esta possibilidade. 

As crianças que desenvolvem uma relação intrínseca com as plantas/alimentos, conhecendo e acompanhando seus ciclos de desenvolvimento, possuem uma conexão muito especial com a vida que viram surgir.  Observando algumas crianças nesse sentido, percebi que elas criam afeto pelo que viram nascer e que posteriormente colheram. As percebo entretidas, alegres e atentas a cada etapa de desenvolvimento. A colheita é sempre uma festa. O envolvimento e práticas dos adultos e adultas em torno da criança, no dia a dia, também afetam esta relação e deve continuar dentro de casa instigando o interesse e praticando boas formas de alimentação, cultivo e beneficiamento. Já quando não existe essa relação, sem essa participação, elas desconhecem muitas plantas, alimentos e selecionam por diferentes critérios, além de aumentar a rejeição por alguns alimentos. 

Já pensou em convidar uma criança para filmar o preparo de um plantio de círculo de bananeiras, de aguardar algum tempo a colheita das primeiras frutas e depois preparar um prato com ela com tudo isso registrado em um pequeno filme desta experiência que durou alguns bons meses para chegar ao fim? Quem sabe até trazer uma vídeo-receita deliciosa com bananas para outras pessoas assistirem? Envolver as crianças no processo da terra, tendo a tela como recurso mediador, também pode ser algo muito amigável para essa relação entres os mundos da natureza e da tecnologia.   

O afeto é algo importante na relação cultivo, alimentação, colheita, sentido e envolvimento. E é claro que a oportunidade de viverem isso é muito importante. Porém cada vez menos é incentivada, ou possibilitada, por diferentes motivos. Desde a industrialização alimentar e a valorização de alimentos processados às expropriações de terra, bem como outras problemáticas sociais e o mega estímulo ao universo digital desconectado da natureza. 

Não se trata somente do fato alimento, mas temos fatores como qualidade da água, relações de trabalho, pressões no ecossistema, degradação ambiental, cultura do adoecimento, estrutura social e muitos outros entraves. É justamente por isso que agroecologia é ciência, movimento e prática, pois surgiu de uma necessidade de grandes rupturas para que possamos ter acesso ao bem viver. Há uma urgência real, pois, nosso solo, água e relações estão adoecidos. 

Crianças que praticam o cuidado com a terra podem partilhar seus conhecimentos com outras crianças e estimular uma rede de crianças guardiãs da terra, há diversas formas disso acontecer, uma delas é  usando recursos audiovisuais para o engajamento do mundo que querem viver no aqui e agora. O foco principal e mais importante é compartilhar experiências que estimulem as crianças a se conectarem com a terra, resultando assim em momentos de presença e expansão de amor. 

“O que queremos para o mundo?” produziu um curta muito interessante em que 3 crianças se envolveram, uma de 5 anos, uma de 6 anos e um garoto de 13 anos. Elas se dividiram em criação de roteiro, figurino, atuação e direção.  Criaram um roteiro fantástico e criativo que conta a história da menina robô, que compartilhou suas práticas de compostagem, seu amor como cuidadora de rio e ela gostava de desejar coisas boas e cuidado com todas as pessoas. [4]

Práticas como compostagem, cultivo de sementes, vasinhos de jardinagem, alimentação consciente, saberes do campo, saberes ancestrais, relações respeitosas no universo da produção alimentar e cuidado com as águas, solos, vidas humanas, são riquezas a serem partilhadas e vivenciadas pelas crianças, além do que podem intercambiar seus fazeres e os conhecimentos entorno delas, umas com as outras. 

Talvez uma criança que nunca pensou em cultivar possa iniciar em pequeno espaço suas hortaliças incentivadas por outra, ao passo que, uma criança que tenha como prática o cultivo e essa relação intrínseca com a terra possa nunca ter pensado em registrar o seu fazer e pode receber ajuda de outra criança que já tenha experiência com filmes e outros registros como fotos, áudios gravados como se fosse um diário de bordo e outras ideias criativas que tenham haver com o próprio desejo manifestado pela crianças na sua relação com as telas e com a terra. Sem contar toda a rede que elas impactam como familiares, educadores, vizinhos etc. Podem ainda registrar informações reveladoras sobre crianças que não têm acesso a alimentação de qualidade ou outros assuntos que julgarem necessário. 

Trazer o diálogo entre agroecologia e as telas, entre as telas e a agroecologia é algo que tem grande potencial.  É hora de a Comida de verdade ganhar a cena e a mesa! Cozinhar é um ato revolucionário! Que tal registrarmos nossas culinárias extraordinárias e revolucionárias para que outras também possam fazê-los? É hora de pôr literalmente a mão na massa, na terra, apertar o botão de gravar na tela, lançar as sementes, e ser a mudança que buscamos. Todos pela vida!

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NOTAS:
[1] PISCADA: Livro De onde vem nossa comida? – caderno de educação em agroecologia – De onde vem nossa comida? – Livraria Expressão Popular (expressaopopular.com.br)  e tem também essa outra revista de mesmo nome: 2014_AnaMariaThomazMayaMartins_Revista.pdf (unb.br) 

[2] a) Ailton Krenak : Ideias para adiar o fim do mundo – https://lelivros.love/book/baixar-livro-ideias-para-adiar-o-fim-do-mundo-ailton-krenak-em-pdf-epub-mobi-ou-ler-online/ (VERIFICAR SE PODE PARTILHAR ESTE LINK)
b) Miguel Altiere: Agroecologia – a dinâmica produtiva na agricultura sustentável. http://www.ufrgs.br/pgdr/publicacoes/livros/serie-estudos-rurais-pgdr/agroecologia-a-dinamica-produtiva-da-agricultura-sustentavel

[3] Documentários importantes sobre o contexto da agroecologia:
a) Trailer Guardiões da Terra – Agroecologia em Evolução – YouTube 
b) AGRO | EP 1 – Porque o Brasil é campeão mundial no uso de veneno? | Prefácio – YouTube

[4] Assista o documentário MUITO ALÉM DO PESO | Filme Completo – YouTube