Artigo: A Cultura do Brincar Audiovisual

Artigo: A Cultura do Brincar Audiovisual

Por Luiza Vianna

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. […] O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. […] Quando os olhos estão na ‘caixa de brinquedos’, eles se transformam em órgãos do prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Rubem Alves. Educação dos sentidos, p. 14, 2005

Brincar com o audiovisual, sensibilizar o olhar e promover a escuta e a reflexão são práticas para a nossa caixa de ferramentas. A nossa comunicação está cada vez mais visual, e assim como aprendemos na escrita que o B + A = BA, também podemos alfabetizar as nossas crianças com o pensamento audiovisual, um despertar do olhar, reflexivo, divertido, criativo. Podemos levar as câmeras e dispositivos para a ‘caixa de brinquedos’, e através do brincar, aprender a ver.

Imagine crianças brincando de fazer filmes, contando histórias e usando os recursos tecnológicos para gerar mudanças positivas no mundo. As TDIC’s – Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação – têm sido incorporadas às práticas pedagógicas, oportunizando a inclusão digital e despertando maior interesse e engajamento dos alunos. 

A Base Nacional Curricular Comum (BNCC) prevê o uso da tecnologia em sala de aula como umas das competências básicas da educação: 

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

BNCC http://basenacionalcomum.mec.gov.br/

A cultura do brincar audiovisual traz a tecnologia para o campo da imaginação, da criatividade, da liberdade e da diversão. As possibilidades são infinitas e permitem novos caminhos de linguagem e protagonismo das crianças. Como cultivar a cultura deste brincar? Em um mundo que dialoga cada vez mais através do audiovisual, familiarizar as crianças com essa forma de comunicar é fundamental para instrumentalizá-las neste caminho de expressão.

Quando as crianças brincam, de forma espontânea, trazem suas percepções e visões de mundo. Enquanto educadores, podemos oferecer a ‘caixa de brinquedos’ audiovisuais, permitindo a ampliação das vozes infantis.

Durante a pandemia, desde 2020 no Brasil, pais, filhos e educadores tiveram que reinventar formas de aprender, educar e brincar. Manter a motivação das crianças tem sido um desafio para todos nós. Aqui em casa, meus filhos de 7 e 6 anos, começaram a despertar o interesse de criar filmes com suas aventuras de quintal. Um dia começaram a bolar roteiros, ideias e toda uma temporada da série “As aventuras de João e Miguel”. É curioso como eles já estão acostumados com termos como: série, temporada, filme, roteiro, edição, além dos tradicionais termos cinematográficos: “luz, câmera, ação” ou “corta!”.  Eu e meu marido tivemos que nos revezar para filmar as aventuras. Eles criavam todas as ideias e a gente só seguia com a câmera na mão. Meu filho mais velho dirigia toda a cena, inclusive a posição que eu, enquanto câmera, deveria estar. Por alguns momentos quis sugerir outras propostas estéticas, baseadas na minha experiência com fotografia e vídeo, mas percebi que a câmera gravando era só um instrumento para a brincadeira deles e que o filme em si não tinha tanta importância. Eles estavam ali mostrando suas preferências e percepções, usando o audiovisual como ferramenta de expressão e liberdade criativa.

as crianças não fazem um filme por vaidade, competição ou por necessidade, mas porque brincam de fazer um filme. Nesse processo, interagem entre elas, interagem com as coisas ao redor, com as belezas do mundo e seus possíveis problemas, imaginam, criam novas possibilidades.

ATAIDES, p. 29, 2021

Um outro exemplo muito interessante é o curta-metragem realizada pelo Educador Audiovisual Igor Amin junto as crianças Luna, Maia e o adolescente Yuri, chamada “A Menina Robô” [1]. No Curta, as crianças brincam de fazer um filme sobre uma menina, ao invés de menino, robô, que ao invés de automatizar as relações com o mundo, passa a humanizá-lo, ajudar o rio das pedras, pertencente ao território onde vivem tais crianças, a ser um rio mais limpo, preservado pelas próprias crianças. 

Por isso, a iniciativa “O que queremos para o mundo?” traz uma série de brincadeiras, desafios e sugestões para ensinar e aprender com as crianças através do Audiovisual. Não precisamos filmar ou fazer filmes para brincar com o tema. Podemos brincar de fazer câmeras imaginárias de argila ou de massinha, e a partir delas criar filmes em nossa imaginação. Podemos trazer os temas audiovisuais para desenvolver outras habilidades, como concentração, consciência corporal e socioemocional.

Segue uma sugestão de vivência para fazer em grupo, do nosso Inventário de Brincadeiras Audiovisuais:

CORPO – MENTE – CÂMERA

Descrição: Imagina se nosso corpo e mente fossem representados por uma câmera. Qual parte você seria? Lente, Zoom, Flash, Foco, Estabilizador, Microfone, Bateria, Visor, Disparador, Cartão de Memória, Botão Liga/Desliga, Diafragma, Sensor? Escolha uma parte da câmera que represente você e junte com outras pessoas para montar uma escultura humana selecionando uma paisagem para tirarem uma foto. Não esqueça de todos sorrirem e cantarem juntos “Click”.

Habilidades trabalhadas: Consciência Corporal; Conhecimento Tecnológico. Recursos necessários: Use o corpo e a imaginação. A/o brincante pode mostrar uma câmera para facilitar a visualização, explicando de forma mais abrangente para o que serve cada parte da câmera.

Fonte: www.oquequeremosparaomundo.com.br


A cultura do brincar associada à apropriação das tecnologias e recursos audiovisuais oferece às crianças um espaço de escuta, liberdade criativa, e compreensão de si e do mundo.

Educar para compreender a matemática ou uma disciplina determinada é uma coisa; educar para a compreensão humana é outra. Nela encontra-se a missão propriamente espiritual da educação: ensinar a compreensão entre as pessoas como condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade.

MORIN, P.93, 2007

As telas podem ser potentes janelas de expressão e protagonismo. Ao instrumentalizar as crianças ao uso do vídeo como ferramenta de expressão, abrimos caminho para que elas se tornem sujeitos ativos e criativos perante as telas. Através da linguagem audiovisual, as crianças podem compartilhar suas visões de mundo, de pertencimento e reconhecimento dos contextos em que vivem. A escola também pode ser um ambiente de fomento dos processos criativos, ensinando a compreensão mútua, e estimulando as crianças a se expressarem, como autoras de suas próprias narrativas audiovisuais.

Notas de rodapé:
[1]  Assista o curta-metragem “A Menina Robô” em https://oquequeremosparaomundo.com.br/filme-educativo/a-menina-robo/

Referências bibliográficas:

ALVES, Rubem. Educação dos Sentidos. 2005

ANDREWS, Susan. Meditação: O que dizem os cientistas e sábios. 2018

ANDREWS, Susan. O círculo de Amor para abrir o Coração. 2006

ATAIDES, Igor. Como educar as crianças no mundo das telas?  2021

AVELAR, Romulo. O avesso da cena. 2014

BARROS, Manoel. O livro das Ignorãças. 2009

CARLGREN, Frans. Educação para a Liberdade. 2014

FRAWLEY, David. Uma visão Ayurvédica da Mente. 2013

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 1996

KILBEY, Elizabeth. Como criar filhos na era digital. 2018

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. 2007

MUNDOS, Instituto. Caderno do Multiplicador II – O que queremos para o mundo. 2017

TOUGH, Paul. Como ajudar as crianças a aprenderem. 2017

SEBRAE. Programa de Gestão de Projetos e Empreendimentos Criativos

BNCC – Base Nacional Curricular Comum

PSEC – Programa da Secretaria de Economia CriativaSBP – Sociedade Brasileira de Pediatria