Artigo: Infâncias e Bem-estar nas Telas
12 de julho 2021-07-12 14:33Artigo: Infâncias e Bem-estar nas Telas
Por Luiza Vianna
Como lidar com as telas de forma saudável e construtiva? As telas, TVs, tablets, videogames, computadores, celulares, tem ocupado um espaço crescente nas nossas vidas e no interesse das crianças, gerando uma mudança significativa na forma como percebemos e nos relacionamos com o mundo. Sou mãe, e faço parte deste grande coletivo de pais e educadores preocupados com o uso das tecnologias pelas crianças. Sabemos o quanto o mundo das telas fascina os pequenos e acredito que existem caminhos para um uso positivo da tecnologia.
Ao refletir sobre infâncias e telas, precisamos delimitar a faixa etária a qual estamos nos referindo, pois cada idade irá apresentar necessidades e cuidados especiais. Vamos nos restringir aqui a dicas e sugestões para crianças de 6 a 10 anos. A Sociedade Brasileira de Pediatria [1] recomenda o tempo máximo diário de 2 horas de tela para esta faixa etária. Ok! E o que fazer neste tempo e como trazer positividade e saúde para essa relação? Eis uma questão importante para refletirmos e visualizar caminhos de saúde e bem-estar. Abaixo, alguns caminhos para abrirmos trilhas importantes para esta intenção mencionada acima.
Pais e educadores como curadores – Em tempos de pandemia, as crianças estão cada vez mais presentes e dependentes das mídias, como veículo de conexão, comunicação, criação e até aprendizado escolar. Como educadores, temos a responsabilidade de mediar os conteúdos e os usos das telas: ensinar a criar, refletir, fazer pesquisa, escolher o que ver e fazer com os dispositivos. Conversar sobre os conteúdos assistidos. Uma opção de recurso pedagógico é usar os temas (desenhos, games, vídeos) que as crianças gostam de ver nas telas, e expandir para além delas. Aqui em casa, começamos a fazer desenhos, brincar e contar histórias a partir dos personagens preferidos das crianças. Sempre que possível, conversamos e refletimos sobre os conteúdos escolhidos e o que eles geram em nossos pensamentos e emoções.
A tecnologia como fonte de criação, arte e inspiração – As telas são janelas para o mundo e podem ser usadas de forma ativa, criativa e interativa. As crianças de hoje já nasceram no universo digital e podemos usar os recursos tecnológicos para criar, brincar de fazer filmes, trocar vídeo-cartas com colegas e familiares, explorar apps e games educativos.
Como está a postura e o coração? – Não só as crianças, mas todos nós, usuários das tecnologias, devemos levar a atenção ao nosso corpo perante as telas. É fácil observar uma tendência corporal nos jovens (fechamento dos ombros e do peito, e o queixo direcionado para frente) como uma consequência do uso excessivo de dispositivos como celulares e computadores. Para as crianças menores, vale sempre lembrar de prestar atenção à postura quando estão com as telas. Que tal fazer um alongamento ou assistir um conteúdo que exercite o corpo? Vale também observar as emoções das crianças a partir do conteúdo assistido. Desenhos violentos deixam os pequenos inquietos, conteúdos positivos e criativos inspiram a ação e acalmam o coração.
A criança aprende por repetição – As crianças aprendem por repetição e vão se modelar nas atitudes dos pais e educadores. Como você se relaciona com as telas? De nada adianta falar com as crianças que devem restringir o uso dos dispositivos, se estamos conversando com elas e olhando no celular ao mesmo tempo. Nossas atitudes são fundamentais para moldar a relação que os pequenos terão com as telas para o resto das suas vidas.
Em tempos de isolamento, use a tela para gerar conexão – Vivemos um período inédito na nossa história. O isolamento social desde 2020, devido a pandemia covid-19, afastou muitas crianças do seu processo fundamental de socialização. Que bom que temos a possibilidade das telas para conversar e ver amigos e familiares pelo dispositivo. Que tal sugerir conversas e brincadeiras através das telas? Como elas seriam? Quais intenções ligadas ao uso das telas serão pensadas de acordo com o desenvolvimento do bem-estar das crianças?
O combinado não sai caro – Sabemos que os tempos são desafiadores, mas precisamos manter os combinados em relação ao tempo de tela, ao conteúdo assistido, e à hora de desconectar. É sempre bom lembrar quais são os acordos e combinados prévios, seja de forma verbal ou até mesmo escrito ou desenhado em um papel para que todos possam consultar.
Consumidor x criador – Ao pensarmos em telas e infâncias, normalmente imaginamos as crianças passivas em frente a um tablet ou TV. Neste lugar, a criança é apenas um consumidor de conteúdos prontos. Como extrapolar o lugar de consumidor e se tornar uma criadora? A Educação Audiovisual é um excelente ponto de partida para instrumentalizar e oferecer novas possibilidades de criação e reflexão para e com as crianças, no mundo das telas.
A importância do ritmo e da rotina na infância – Estabelecer um ritmo para a rotina das crianças é fundamental para o bem-estar e para a aquisição de hábitos saudáveis para possamos ir além da ideia apenas de tempo de tela. A criação de um ritmo ajuda os pequenos a se sentirem mais seguros e confiantes, na medida em que percebem que tudo tem o seu tempo para acontecer. Dessa forma, as telas podem ser inseridas na rotina de forma organizada. Como, por exemplo, o uso das telas só pode ser feito no período da tarde, respeitando o limite de 2 horas por dia. Devemos desligar as telas, no mínimo 1 horas antes de dormir, para que não atrapalhe o sono. O ritmo também pode ser inserido em uma rotina semanal, como o dia do filme em família, ou um dia de descanso de telas, ou ainda o dia de produção de conteúdo audiovisual pelas crianças.
Cuidados com a saúde dos olhos – Os nossos olhos são diretamente impactados pelo uso excessivo das telas. Alguns problemas de visão relacionados ao longo tempo de exposição com os dispositivos são: visão embaçada, enxaqueca, coceira, vista cansada, miopia e fadiga ocular. Existem práticas simples que podem ajudar a manter a saúde dos olhos. Quando focamos em um objeto muito próximo, como um celular ou computador, ocorre uma ativação dos músculos ciliares (músculos internos do olho, responsáveis pela focalização de imagens de perto). Estes músculos precisam de pausas de descanso para evitar o desgaste. Uma forma simples de fazer isso é: a cada 30 minutos de uso de telas, levar o foco do olhar para um objeto distante (pelo menos 6 metros de distância). Manter o foco do olhar longe por pelo menos 30 segundos. Se puder fazer isso em movimento, como uma caminhada na Natureza, observando árvores distantes, melhor ainda! Podemos e devemos ensinar esta prática para nossos jovens e crianças, evitando problemas mais sérios com os olhos no futuro. Outra prática simples a ser estimulada enquanto estamos em contato com as telas é piscar os olhos com frequência, ou mesmo, fazer uma pequena pausa com os olhos fechados, para lubrificar e limpar a córnea.
Informar para educar e transformar – A tecnologia digital evolui e se transforma rapidamente e ainda temos muito que aprender sobre os limites e o uso saudável na infância. Enquanto pais e educadores temos a responsabilidade de pesquisar, e informar às crianças sobre os riscos do uso desregrado das telas, além de inspirá-las na consolidação de hábitos saudáveis. Muitas vezes é o tédio ou falta do brincar na natureza, da atenção dos adultos, da companhia de outras crianças para brincar, que levam a criança a crer de que não há nada melhor do que as telas como sua melhor companhia. As crianças não querem as telas para esquecerem seus problemas ou para passar o tempo como nós adultos fazemos. Elas as buscam para viverem seu presente e assim desbravarem as curiosidades do mundo, investigarem aquilo que ainda não conhecem e na maioria das vezes, se divertirem. Essa consciência de que a criança pode fazer tudo isso e mais um pouco “além das telas” é fundamental para que elas não desenvolvam um comportamento viciante diante o mundo das telas.
O desenvolvimento integral na infância – físico, mental, cognitivo, emocional e psicosssocial. É na infância que construímos a nossa fundação. Assim como em uma casa, precisamos de um bom alicerce para que o resto da construção se sustente. O cérebro em formação da criança é como uma esponja e os estímulos recebidos irão moldar seu comportamento e personalidade. Quanto maior o tempo de exposição às telas, menores as oportunidades de desenvolver outras áreas do cérebro, assim como de praticar habilidade interpessoais, cognitivas, motoras, de comunicação e inteligência emocional. Após o período on-line, podemos equilibrar os excessos das telas, através de atividades que movimentem o corpo, estimulem a interação social, as brincadeiras criativas, e o “pé no chão”. Literalmente colocar os pés em contato direto com a terra ajuda a descarregar os excessos da cabeça.
Visualizar caminhos de saúde e bem-estar com as tecnologias é um desafio cotidiano para todos nós. Espero que estes apontamentos iluminem ideias para relações mais construtivas e amigáveis com as telas. 😉
Notas de rodapé:
[1] Leia #menostela #maissaúde, Manual de Orientação Grupo de Trabalho Saúde na Era Digital (2019-2021) da SBP – Sociedade Brasileira de Pediatria. https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_22246c-ManOrient_-__MenosTelas__MaisSaude.pdf
Referências Bibliográficas:
ALVES, Rubem. Educação dos Sentidos. 2005
ANDREWS, Susan. Meditação: O que dizem os cientistas e sábios. 2018
ANDREWS, Susan. O círculo de Amor para abrir o Coração. 2006
ATAIDES, Igor. Como educar as crianças no mundo das telas? 2021
AVELAR, Romulo. O avesso da cena. 2014
BARROS, Manoel. O livro das Ignorãças. 2009
CARLGREN, Frans. Educação para a Liberdade. 2014
FRAWLEY, David. Uma visão Ayurvédica da Mente. 2013
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 1996
KILBEY, Elizabeth. Como criar filhos na era digital. 2018
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. 2007
MUNDOS, Instituto. Caderno do Multiplicador II – O que queremos para o mundo. 2017
TOUGH, Paul. Como ajudar as crianças a aprenderem. 2017
SEBRAE. Programa de Gestão de Projetos e Empreendimentos Criativos
BNCC – Base Nacional Curricular Comum
PSEC – Programa da Secretaria de Economia Criativa
SBP – Sociedade Brasileira de Pediatria