Blog

Formação

Educação para sentir

Educação para sentir

“Nós precisamos educar pelo amor”, afirmou certa vez Humberto Maturana, um dos intelectuais mais proeminentes do Chile, criador da teoria da autopoiese e da biologia do conhecer.

Ximena Davila, fundadora da Escola Matríztica (espaço que estimula a conversa e a reflexão sobre a natureza humana e as relações entre os homens) juntamente com Maturana completa que este amor se dá escutando, sentindo, abrindo espaço para o diálogo.

Para eles, quando desconectamos o que fazemos do que sentimos, transmitimos essa desconexão à criança – que capta essa contradição – e, aí, sim, erramos com ela.

O diálogo entre eles para o Instituto Alana está disponível abaixo.

Em Amar e brincar – fundamentos esquecidos do humano, livro de Humberto Maturana e Gerda Verden Zoller, eles apresentam o amar e o brincar como os fundamentos da condição humana a partir da perspectiva do emocionar. 

Capa do livro Amar e brincar – fundamentos esquecidos do humano
Livro Amar e brincar – fundamentos esquecidos do humano

Sinopse: As relações mãe-filho e os fundamentos da democracia a partir da noção de biologia do amor permeados pela expressão afetiva e lúdica são os temas essenciais tratados nesta obra, reconhecidos de maneira inédita a partir deste enfoque revelador, juntamente com o panorama das origens da cultura patriarcal europeia que culmina na profunda ignorância do que são os direitos humanos.

Na internet é possível encontrar muito material sobre o livro, como análises, lives, bate-papos, etc. A Erika Kohler publicou na Woo Magazine uma resenha super interessante.

Nas palavras da autora: “O texto nos mostra como são as relações entre o amar e o brincar, trabalhando linhas das culturas patriarcais e matriarcais, sempre com a dominação histórica das primeiras sobre as outras. A perspectiva do brincar e do emocionar, assume sua importância na educação infantil. A influência intelectual trouxe para a primeira infância uma grande carga que não deixa de ser, também, um saber dominante. Existe uma grande tendência de sobrecarregar a criança pequena de estudos, deixando quase nenhum espaço para que ela brinque. E dentro desse contexto, somos levados a pensar e ponderar sobre a necessidade de deixar as crianças pequenas brincarem mais, adiando a formalização para mais adiante.”

Leia a resenha completa no link a seguir: https://woomagazine.com.br/resenha-amar-e-brincar-fundamentos-esquecidos-do-humano-de-humberto-maturana-e-gerda-verden-zoller/

Aqui vale lembrar o inesquecível Sementes do nosso quintal, com direção de Fernanda Heinz Figueiredo (2012). O documentário registra a Te-Arte, uma escola  que ensina as crianças de forma lúdica, com brincadeiras, sem separação de idades, e em contato com a natureza e com os animais. Sua idealizadora é Thereza Soares Pagani, que fez desse lugar seu maior objetivo de vida, e ensina a valorização da infância. Lá as crianças aprendem com arte, literatura, música e cultura popular brasileira.

Leia aqui a matéria da Lunetas para conhecer um pouco mais da Te-Arte e de sua fundadora.

TV Cultura/Sementes do Nosso Brincar/Arte Lunetas

“Notei a importância de a criança se bastar, porque ela se bastando na brincadeira, se conhecendo melhor, ela tem interesse pela parte intelectual” Therezita Pagani

Sementes do nosso quintal/ Divulgação
Sementes do nosso quintal/ Divulgação

Inspirados pela Te-Arte, compartilhamos abaixo uma série de dicas retiradas do livro Quintais Brincantes – Sobrevoos por Vivências Educativas Brasileiras para a preparação de espaços e brincares vivos, que permitem diversas criações e múltiplas combinações. Aliás, o livro é uma baita preciosidade, vale a pena adquirir um exemplar! No Instagram @quintaisbrincantes você fica sabendo como.

Capa do livro Quintais Brincantes – Sobrevoos por Vivências Educativas Brasileiras

Materiais e garimpo
Para compor um acervo de materiais criativos, priorize a madeira, o bambu, as fibras naturais, os tecidos e objetos não estruturados, que não dizem exatamente para que servem, mas que permitem que as crianças investiguem.
Sugestões: pilão, conta-gotas, gotejador, funil, peneira, ralador, cestos, caixa de papelão e de madeira, tecido, fio, pregador de roupa, pinça, lupa, corda, pote de alumínio, bacia, panela, colher de pau, ferramentas, espelho, tábuas.
Esses materiais podem ser garimpados na comunidade e reutilizados!
– Você já visitou alguma cooperativa de
coleta seletiva de resíduos por perto?
– Já foi à feira ou ao mercado popular?

Nesses locais, podemos garimpar caixotes, paletes, móveis, utensílios de cozinha, embalagens para brincar, tecidos.

Preparação de espaços

Harmonize, organize e prepare os espaços: para que a criança saiba onde mora cada coisa;
– com móveis adaptados à altura das crianças;
– com beleza: flores, velas, cristais, plantas aromáticas;
– que assumam o vazio como
fonte de inspiração;

– para a criança viver o corpo e os movimentos: correr, equilibrar, pular, escalar, rolar;
– para a contemplação das copas das árvores, do céu e suas nuvens, do vento.

Convites de brincar
Os convites para brincar são preparações que combinam materiais, coletas e elementos da natureza em um espaço preparado para a criação livre da criança.
– Colete materiais da natureza com as crianças: sementes, frutos, mudas, raízes, folhas, galhos, conchas, pedras,
terra de diversas cores.
– Monte mesas, bancadas, o próprio chão combinando, alternadamente, essas coletas com elementos como argila, água, areia, barbante, cola, farinha, papéis. Observe o poder inventivo e expressivo das crianças.
– Colete água da chuva que escoa da casa com potes e bacias de diversos tamanhos. Observe seus sons e brinque com a água coletada.
– Ao coletar galhos observe com as crianças suas formas e crie histórias: são os galhos imaginários.

MEMÓRIAS QUINTALEIRAS
Mariana Benchimol
Cada um dentro de si
guarda um sonho de quintal,
de chão de terra batida,
um tremendo festival
de fruta doce no pé,
chuva, sol e vendaval.
O perfume de quintal
impregna o ambiente.
Cheira a flor, fogueira, lama,
fruta, pão e bolo quente.
Tudo lembra o carinho
de vó que acolhe a gente.
E os bichos que tem lá?
Aparece até serpente!
Tem formiga, borboleta,
tem bichinho diferente.
O que vive no quintal
criança transforma em gente.
Também dizem por aí
que tem seres encantados!
Tem fadinha e gnomo,
o que for imaginado…
Como ensinam os pajés:
há um mundo inanimado.

Imagem do livro Quintais Brincantes – Sobrevoos por Vivências Educativas Brasileiras

Não dá para falar de educação do sentir sem citar a educadora, professora da técnica Alexander, mãe de três filhos desescolarizados Ana Thomaz. “Existe um lugar/estado em cada um de nós, na intimidade da singularidade, onde podemos atualizar e contemplar novas possibilidades para caminhar no mundo”. Ana é pesquisadora e praticante da mudança de paradigma da educação e do convívio em comunidades. Idealizadora do projeto AMALAYA, em Piracaia, São Paulo.

Ana Thomaz

Para Ana Thomaz, quando nos salvamos, o mundo se salva (de nós mesmos). Ana afirma que a mudança precisa acontecer em nós para que nossa ação no mundo desintegre as estruturas insustentáveis que estamos sustentando e abra espaço para um campo de criação e reconexão com a vida. Segundo ela, a pergunta não é mais “Como e o que devemos fazer com as crianças?”, mas sim “Quem é o adulto que se relaciona com as crianças?”.

É sobre estar e ser presente

É sobre estado de criação

É sobre sentir/pensar/agir de modo alinhado e inspirado

Ana Thomaz

O Instituto Mundos promoveu neste ano um encontro online com a educadora no Programa de Intercâmbio Pedagógico Núcleo Infantil Anna Medioli. Foi um momento único. Destaco abaixo uma fala dela para nossa reflexão:

“Somos selvagens pela natureza, mas também criamos um campo social. O campo selvagem que ainda há em nós é o que sentimos, nosso instinto. Um bebê ainda não tem o campo social e cultural ativado, ele vai aprendendo com a convivência. Ele não conversa com a gente socialmente, culturalmente, mas nesta conexão selvagem. Ele se conecta antes de mais nada com o sentido. É importante que no nosso contato com os bebês, a gente tenha consciência entre o pensar, o sentir e o fazer, para que essa conexão seja efetivada.”

Ana Thomaz promove em seu espaço, em Piracaia, uma série de programas, entre eles o Corpo Sensível, um encontro para praticar, compreender e ampliar as percepções do corpo, da mente e das emoções.

Imagem do livro Quintais Brincantes – Sobrevoos por Vivências Educativas Brasileiras

Para bem criar passarinhos há que deixá-los soltos

para escolherem e esconderem os seus ninhos entre

as árvores, varandas e telhados. É bom reparar, sem

ansiedade, com distância, as suas pérolas postas

em conchas de gravetos encarando o azul, debaixo

de árvores e sombras de renda.

Bartolomeu Campos de Queirós

E aí, gostou do conteúdo? Conta pra gente nos comentários.

Deixe seu pensamento aqui