Blog

Livros

Quem quer ouvir uma história põe o dedo aqui!

Quem quer ouvir uma história põe o dedo aqui!

Era uma vez, em um lugar não tão distante daqui, uma criança que gostava muito de ouvir histórias. Cada vez que um livro se abria diante dela, a imaginação viajava por séculos, atravessava culturas e povos e um mundo novo então surgia. Outra vezes, os lugares e as personagens que encontrava nos livros eram tão fantasiosos que o encantamento parecia uma mágica! A criança cresceu e nunca perdeu o gosto por ouvir histórias, pelo contrário, o tempo passou e o interesse foi tanto que ela mesma começou a ler os livros sozinha, embora sempre diga que são os livros que leem ela!

Contar histórias estimula a criatividade e o lúdico, tão importantes na educação infantil. Além disso, ajuda no desenvolvimento cognitivo e social na criança, melhorando suas capacidades de comunicação.

Neste vídeo realizado pelo Projeto Entorno, dá para ter uma dimensão da importância da leitura para bebês:

Realmente, quem não gosta de ouvir uma boa história, hein?

Mas espera aí. Afinal, o que seria uma “boa história”? Como pensar a qualidade de um livro para a educação infantil?

Veja abaixo a análise do livro “João e os 10 pés de feijão”, feita pela contadora de histórias Nayara Salles, como exemplo de um olhar crítico a partir da leitura da obra.

JOÃO E OS 10 PÉS DE FEIJÃO

Autores: José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta Ilustrador: Jean Claude R. Alphen
Editora: Companhia das Letrinhas – 2016

O livro ilustrado João e os 10 pés de feijão oferece ao leitor, de maneira muito divertida, dez possíveis finais para o clássico conto da literatura infantojuvenil, João e o pé de feijão. À princípio, a história começa do mesmo jeito que a original: um menino muito pobre, chamado João, troca a última vaca de sua família por feijões ditos como mágicos. A partir daí, para continuar a leitura, o leitor deve escolher um tipo de feijão dentre as várias “espécies” apresentadas pelos autores, como na foto a seguir:


João e os 10 pés de feijão, página 7. Fonte: en.calameo.com

Após a escolha do feijão, o leitor conhecerá uma das adaptações escritas pelos autores. Repletas de humor e ironias, muitas das dez histórias abordam, de formas diferentes, uma questão que costuma estar muito presentes nos contos infantis: o que é ser bom? Quem é bom na história? E o que é ser mau? Ao discutir temáticas dessa natureza, os artistas apresentam algo também muito utilizado nos contos infantis: a moral da história. E, mais uma vez, os autores surpreendem o leitor, que se depara com uma “moral” mais inusitada do que a outra! Veja um exemplo a seguir:


João e os 10 pés de feijão, página 43. Fonte: en.calameo.com

Em termos de estética e diagramação, o livro não é nada convencional. As ilustrações, além de muito caricatas e divertidas, conferem novas camadas de compreensão para a história. Sem elas, a experiência estética seria totalmente precária. O texto, dependendo do momento da história, apresenta tipografias diferentes, o que enriquece ainda mais a experiência. Esses detalhes podem ser vistos nas imagens a seguir.


João e os 10 pés de feijão, página 18. Fonte: en.calameo.com

João e os 10 pés de feijão, página 33. Fonte: en.calameo.com

As histórias questionam, muitas vezes, estruturas sociais, e acabam não sendo tão divertidas assim. Um exemplo é a história do João e o pé de feijão fradinho, em que a família de João morre de fome. No final dessa história, na página 28 do livro, lê-se: “Essa é uma história tão triste que não tem moral. É imoral”.

Apresentar uma adaptação de qualidade para crianças da educação infantil é orientá-las, dentre tantas outras coisas, na construção das possíveis releituras que podemos e devemos fazer do mundo. É apresentar um olhar flexível, menos enrijecido e que aceita “mudanças no percurso” das histórias que planejamos. É mostrar que nem sempre aquela “moral da história” construída no passado foi justa. Ou que nem sempre ela é exequível. Uma adaptação de qualidade não nega um bom e velho clássico. Ao contrário, se apoia em seus ombros para ser, também, grande.

Muito interessante, não é? A professora doutora Cristiene Galvão, da Universidade Federal de Minas Gerais também elaborou e disponibilizou a análise de alguma obras. Veja só este clássico da literatura infantil na versão da Companhia das Letrinhas:

CHAPEUZINHO VERMELHO

A segunda versão da Chapeuzinho Vermelho é uma produção da Companhia das Letrinhas e apresenta uma outra proposta verbal e imagética. O livro é todo cartonado e possui texturas variadas que propiciam às crianças uma experiência tátil. À diferença da produção anterior, o texto verbal traz marcadores textuais que caracterizam os contos de fadas, como “Era uma Vez”, “Um dia” e um enredo não fragmentado.

Ao contrário da produção anterior, as ilustrações de Christian Guibbaud se caracterizam pela simplicidade, mas captam a essência das mensagens linguísticas. As cenas não apresentam muitos elementos, deixando em evidência os personagens da história, o que direciona o olhar do bebê para as figuras essenciais da narrativa.

Fonte: Christian Guibbaud, 2012
Fonte: Christian Guibbaud, 2012
Fonte: Christian Guibbaud, 2012
Fonte: Christian Guibbaud, 2012
Fonte: Christian Guibbaud, 2012
Fonte: Christian Guibbaud, 2012

A figura da Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, não apresenta proporcionalidade entre a cabeça e o restante do corpo, o que confere à ilustração uma expressividade original e atesta a variedade de efeitos plásticos que podem ser utilizados para compor a cena. O desequilíbrio de formas da protagonista evidencia o gorro vermelho, que é uma das principais características da história e que propicia o fácil reconhecimento por parte dos bebês. O lobo subverte os padrões realistas e é colorido de azul. Suas formas também são desproporcionais chamando grande atenção o seu focinho desenhado de maneira tubular. Mesmo economizando nos traçados, Guibbaud consegue dar expressão aos rostos dos personagens.

É interessante observar que na simplicidade da cena que abre a narrativa encontramos os elementos imagéticos dispostos de tal maneira que o leitor pode ver que o lugar onde a menina encontra com o lobo já está distante da sua casa – que aparece ao fundo em uma perspectiva menor – mas já está próximo da floresta, porque as árvores aparecem em tamanho maior. Em uma única cena e usando poucos elementos, o ilustrador consegue colocar toda uma sequência narrativa, aumentando a tensão do texto verbal: a menina está saindo de seu ambiente familiar e indo ao encontro do desconhecido.

Há uma outra solução original encontrada por Guibbaud que possibilitou criar, na mesma página dupla, dois acontecimentos. Na página em que Chapeuzinho Vermelho chega à casa da vovó e toca a companhia temos uma primeira cena. Entretanto, quando mexemos aba pop up1 e abrimos a porta da casa, o tempo flui, anunciando que este já é outro acontecimento. Diversos recursos visuais e multimodais são usados para dar materialidade à história.

1 “São livros que acomodam sistemas de esconderijos, abas, encaixes etc., permitindo a mobilidade dos elementos, ou mesmo um desdobramento em três dimensões”. (LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011. p. 25).

Impressionante como o livro é uma ferramenta tão poderosa! A literatura infantil é um campo fértil e basta um olhar atento e cuidadoso para enxergar que as possibilidades de recursos para trabalhar na educação são infinitas!

Um exemplo bacana é a página do Caminante, Iniciativa da qual Nayara Salles é coordenadora e fundadora. A Caminante pesquisa o teatro e o audiovisual no âmbito da educação básica. Nos últimos anos, a pesquisa delas tem dialogado, também, com a literatura infantil, além da contação de histórias audiovisual. Vale a pena dar uma navegado por lá para conhecer o trabalho sensacional que realizam:

https://www.instagram.com/iniciativacaminante/

Confira só estas editoras!

Muitos títulos interessantes para ler com as crianças!

. Boitatá

.  SM

. Companhia das Letrinhas

. Miguilim

. Pequena Zahar

. Callis

. Jujuba

Abacatte

. Cosac Naify

. Brinque book

. Bamboozinho

. Pulo do gato

. Emília

. Aletria

Abaixo uma curadoria super divertida de 51 livros enviada pela contadora de histórias Nayara Salles para trabalhar junto as crianças:

LIVROS EM CAIXA ALTA

  • 1. FOI ASSIM QUE EU E A ESCURIDÃO FICAMOS AMIGAS – EMICIDA
  • 2. DEU ZEBRA NO ABC – FERNANDO VILELA
  • 3. UM DIA, UM RIO – LÉO CUNHA E ANDRÉ NEVES
  • 4. TOMBOLO DO LOMBO – ANDRÉ NEVES
  • 5. ESTE LIVRO COMEU O MEU CÃO! – RICHARD BYRNE
  • 6. VIZINHO, VIZINHA – GRAÇA LIMA, MARIANA MASSARONI E ROGER MELLO
  • 7. DENTRO DE CASA – BRUNA LUBAMBO
  • 8. TRÊS PORQUINHOS NA FLORESTA – CAIO RITER
  • 9. O ESPAÇO – BLANDINA FRANCO
  • 10. PERIGOSO! – TIM WARNES
  • 11. ESTE É O LOBO – ALEXANDRE RAMPAZO
  • 12. MINHOCAS COMEM AMENDOINS – ÉLISA GEHIN
  • 13. MONSTRO ROSA – OLGA DE DIOS
  • 14. TODOS OS LIVROS DA EVA FURNARI!
  • LIVROS EM CAIXA BAIXA
  • 1. O PATO, A MORTE E A TULIPA – WOLF ERLBRUCH
  • 2. O MURO NO MEIO DO LIVRO – JON AGEE
  • 3. AMORA – EMICIDA
  • 4. O POTE VAZIO – DEMI
  • 5. CARONA NA VASSOURA – JULIA DONALDSON
  • 6. ISTO É UM POEMA QUE CURA OS PEIXES – JEAN PIERRE-SIMÉON
  • 7. ADELAIDE, A CANGURU VOADORA – TOMI UNGERER
  • 8. O MENINO QUE QUERIA VIRAR VENTO – PEDRO KALIL AUAD
  • 9. A BRUXA DO BATOM BORRADO – ANDERSON NOVELLO
  • 10. MIGRANTES – ISSA WATABE
  • 11. MIGRANDO – MARIANA CHIESA MATEOS
  • 12. ELOÍSA E O BICHOS – JAIRO BUITRAGO
  • 13. CARVOEIRINHOS – ROGER MELO
  • 14. A CASA SONOLENTA – AUDREY WOOD
  • 15. MEU GATO MAIS TONTO DO MUNDO – GILLES BACHELET
  • 16.   O LIVRO NEGRO DAS CORES – MENENA COTTIN
  • 17.   A VIDA EM MARTE – JON AGEE
  • 18.   NÃO DERRAME O LEITE!- CHRISTOPHER CORR E STEPHEN DAVIS
  • 19.   LÁ E AQUI – ODILON MORAES E CAROLINA MOREYRA
  • 20.   ORIE – LÚCIA HIRATSUKA
  • 21.   UMA CHAPEUZINHO VERMELHO – MARJOLAINE LERAY
  • 22.   A RAIVA – BLANDINA FRANCO
  • 23. GORILA – ANTHONY BROWNE
  • 24. VOZES NO PARQUE – ANTHONY BROWNE
  • 25. CUPIDO – BABETTE COLE
  • 26. PRÍNCIPE CINDERELO – BABETTE COLE
  • 27. A PRINCESA SABICHONA – BABETTE COLE
  • 28. LAMPIÃO E LANCELOTE – FERNANDO VILELA
  • 29. OS HERÓIS DO TSUNAMI – FERNANDO VILELA
  • 30. ABRAPRACABRA! – FERNANDO VILELA
  • 31. TAPAJÓS – FERNANDO VILELA
  • 32. O JABUTI, A BALEIA E A ANTA – FERNANDO VILELA
  • 33. CONTÊINER – FERNANDO VILELA
  • 35. ENTRE NUVENS – ANDRÉ NEVES
  • 36. OBAX – ANDRÉ NEVES
  • 37. NUNO E AS COISAS INCRÍVEIS – ANDRÉ NEVES

Gostou? Mas um bom livro só não basta, é importante alguns cuidados na mediação literária na educação infantil, como:

  1. Não existe livro que não seja adequado para determinada faixa etária. Crianças muito pequenas e até mesmo bebês PODEM ler histórias grandes e complexas, desde que a leitura faça parte da rotina deles. O que acontece é que cada criança tem sua “bagagem”, seu repertório. Sendo assim, ela irá apreender a experiência literária de acordo com esse conhecimento prévio. 
  2. Não precisamos explicar a história para a criança, uma vez que a experiência literária vai muito além da compreensão do enredo de uma história. 
  3. Não basta que o educador leia para as crianças, é necessário que ele leia com as crianças. Isso implica engajamento e interesse por parte do mediador da leitura. Se a história não foi agregadora para você, tampouco será para seus alunos e alunas.
  4. Sempre explore o nome dos autores, ilustradores, tradutores, a capa, a quarta capa, a folha de rosto. Tudo isso faz parte da experiência literária!
  5. Uma história NÃO deve proporcionar: histórias moralistas, linguagem infantilizada, narrativas e vocabulários muito simplificados, artificialismos.
  6. Algumas estratégias para despertar atenção e interesse dos pequenos: investir na expressão corporal; brincar com a voz; ler em um ambiente confortável; cantar músicas antes, durante e após a leitura; usar a repetição; usar de recursos lúdicos, como malas, caixas, panos, sucatas; deixar os bebês e crianças manusearem e interagirem com os livros; estabelecer uma rotina de leitura; deixar os livros sempre ao alcance das crianças (prateleiras baixas, caixotes, pendurados em um fio de nylon, etc).
A contadora de histórias, Nayara Salles

Para encerrar este assunto que é infinito, algumas dicas do universo da literatura e da contação de histórias!

A Taba é um Clube de Assinatura de Livros Infantis:

https://www.ataba.com.br/

O Tiquequê cria, desde 2001, espetáculos infantis que unem música, dança, teatro e narração de histórias, reinterpretando cantigas e canções do passado e do presente, sejam elas muito ou pouco conhecidas.

Para se inspirar, toda semana uma história nova sendo contada no canal da Fafá, além de dicas de contação:

A Íris Harry Brincante e Contadora de Histórias, nas palavras dela mesma, ajuda crianças a viverem momentos EXTRAORDINÁRIOS com seus espetáculos de brincadeiras, músicas e histórias!

https://www.instagram.com/osonhodeiris/

A Rosilda Figueiredo atua na área da cultura e da infância valorizando o “saber do povo” e formando agentes culturais multiplicadores. Vale a pena seguir o perfil da moça:

https://www.instagram.com/rosilda_contadoradehistorias/

E quem disse que só com palavras se conta uma boa história? Assistam aos vídeos a seguir e depois conta pra gente!

Conhece O Melhor Som do Mundo? Este filme infantil é encantador. Não percam:

Chegando ao fim desta seleção preciosa com Caminhos dos Gigantes, a história de Oquirá, uma menina indígena de seis anos que desafia o seu destino e tenta entender o ciclo da vida. Uma busca poética pela razão e propósito de viver. Nada mais inspirador, não é?

Gostaram do material?

Até a próxima!

** este post foi produzido em parceria com a contadora de histórias Nayara Salles.

Deixe seu pensamento aqui